O Periódico Opinioso do Castelo da Curva do Rio
Trazendo pensamentos, lembranças, informações, entrevistas, comentários, o passado, o presente, o futuro e a narração de casos verídicos, em sua maioria fantasiados, escritos em prosa e verso pelo Segrel Paraibano Igor Gregório
Data: Quatro de janeiro de dois mil e vinte quatro
Título: O Senhor dos Anéis em Santa Rita
É necessário viver o fantástico! Não por uma questão obrigatória, até porque para a maioria da população brasileira é obrigada a viver na mais dura realidade para conseguir pôr o pão de cada dia na mesa! Mas insisto, é necessário. Estou lendo atualmente o livro Quarto de Despejo de Carolina de Jesus, e ela comprava o que afirmo. Entre catar lixo e cuidar dos filhos, a mulher preta, mãe solteira e moradora de periferia, abraça a esperança, o sonho e a fantasia!
Por quê? Porque é essencial. É tão importante para ela a fantasia quanto o feijão que alimenta seus rebentos. E para este poeta que agora escreve estas linhas tortas, a fantasia é mais do que o feijão que o alimenta! É o sangue, é o ar que respira, é o dia a dia.
Anualmente, leio o Senhor dos Anéis, de J. J. R. Tolkien. Este livro foi escrito na década de quarenta, em meio à Segunda Guerra Mundial, na Inglaterra. O enredo conta como um herói clássico tenta destruir o mal. Mas para narrar esta jornada, o escritor inglês cria um mundo tão importante quanto o próprio herói. E neste mundo, a Terra-Média, ele narra histórias, mitos, civilizações inteiras e uma natureza surreal.
No entanto, este mundo é um lugar decadente. No período em que se passa a história não existem grandes líderes e o mal sem faz presente por todas as regiões. Logicamente, o autor, como todo inglês com um olhar mais atento, viu no decorrer de sua vida inúmeros monumentos históricos em seu país. A Inglaterra foi invadida por vários povos ao longo de sua história, de Romanos a Anglo-saxões, e todos deixaram sua marca naquela terra.
E talvez foram estas marcas que o autor levou para o seu mundo de fantasia! Em várias passagens do livro os personagens passam por ruínas de civilizações antigas. Passam por castelos de um tempo em que a fortuna e a bonança reinavam. Passam por pedaços de estatuas de figuras austeras e imponentes. E tudo isto causa dois efeitos no leitor: O constante sentimento de nostalgia e a percepção de que aquele mundo de fantasia é real!
Essa genialidade, utilizada por Tolkien, na forma descrever o seu mundo faz com que, ao finalizar o livro, o leitor sinta saudade das suas páginas, dos seus personagens, da Terra-Média. Dessa forma, é este sentimento que faz com que, anualmente, eu retorne. Todavia, em uma destas visitas, algo novo me surpreendeu! Aliás, sempre que relemos um livro, principalmente um clássico, algo novo aparece diante dos nossos olhos. Somos mutantes, e no decorrer da vida somos várias pessoas diferentes. Nossa percepção se altera e a cada releitura um novo ponto de vista pode se formar.
Nesta releitura, meu querido amigo Siéllyson Francisco (poeta, escritor, professor e propagador da história paraibana) me convidou para acompanhá-lo em uma aventura. E eu fui! Em um sábado, fomos eu, Siéllyson e Rafael visitar as ruínas do Engenho São João Batista, na zona rural do município de Santa Rita. O registro completo desta visita e todas as informações históricas acerca do Engenho, estão no canal do Youtube de Siéllyson para quem desejar colher mais informações. Aqui irei me ater ao fantástico!
Saímos do centro de Santa Rita numa manhã ensolarada. Fomos por estradas de barro até o local da antiga capela do Engenho São João Batista, hoje em ruínas. Ao descer do carro e contemplar as pedras da velha igrejinha, em meio ao mato alto, um sentimento me invadiu: Nostalgia!
Horas, além do Senhor dos Anéis, eu sempre fui fascinado pela História humana e consequentemente pela História do Brasil e ali estava a História do Brasil diante dos meus olhos. Tenho um soneto em que concluo afirmando:
“Algo ecoa no meu sangue em deleito,
me trazendo Memórias de Prazer,
que vivi sem nem mesmo viver elas”!
Estes versos descrevem exatamente o sentimento nostálgico que tive ao observar aquelas ruínas. Ecos de outras vidas me invadiram e eu me senti exatamente como os personagens do Senhor dos Anéis andando por uma Terra-Média em decadência. Era como se aquele sentimento que saboreei tantas vezes na fantasia, se tornasse real.
Adentramos no mato. Fomos até a velha capela. Comtemplamos sua atmosfera. Sentimos o fantástico ganhar forma em suas paredes grossas que reverberam tantas vidas passadas. Gravamos vídeos. Conversarmos ali, entre as urtigas e os capins, sobre o abandono e o descaso que fazem com que um patrimônio tão importante seja esquecido. Fantasiamos. Elaboramos ali, entre os destroços do passado, soluções irreais para reviver aquela grandiosidade esquecida.
Retornamos para casa.
E na volta pensei em tudo que estou escrevendo aqui. Matutei sobre como poderei, com minha diminuta voz, chamar atenção para a riqueza do nosso estado, da nossa Paraíba. Conclui em meus pensamentos: Escrevendo! Versificando! Dialogando! Reconstruindo o que foi esquecido, desde pessoas a lugares, em meus textos e nas minhas gravuras! Até aqui, nesta coluna, tento ressuscitar ruínas com a força da caneta e a com tinta da fantasia, do sonho, para assim, certo de meu lugar, poder edificar um futuro repleto de verdade!
Talvez, na Inglaterra, Tolkien tenha feito o mesmo. Talvez, tentando modificar a dura realidade da Segunda Guerra ele tenha escrito um livro em que é recorrente o tema da Esperança. Fantasiou! Sendo assim, que a fantasia tome conta dos nossos olhos e que eles, mesmo enxergando todas as mazelas do mundo, possam transmutar a ruína humana em glória!