O Periódico Opinioso do Castelo da Curva do Rio
Trazendo pensamentos, lembranças, informações, entrevistas, comentários, o passado, o presente, o futuro e a narração de casos verídicos, em sua maioria fantasiados, escritos em prosa e verso pelo Segrel Paraibano Igor Gregório
Data: Vinte e dois de janeiro de dois mil e vinte quatro
Título: Duas Casas em Tibiri Dois
Constantemente reflito sobre o meu passado, e o resultado é inevitavelmente negativo. Se há algo de positivo é o aprendizado que ele me proporciona. Mas cada vez mais o meu passado passa a ser um lugar em que eu não gostaria de estar ou revisitar. Um lugar em que a minha saudade não vai e que meu sorriso se desfaz. Nele encontro uma pessoa imatura. Nele, vejo quanto tempo essa pessoa perdeu se humilhando e sendo humilhada. Nele, encontro muitas tristezas, vários conflitos e poucas alegrias. E sempre que olho para o passado o meu presente se engrandece, pois nele, no presente, tenho tido o oposto do que tive. E isso sim, me enche de orgulho.
Mas adentrando neste quarto escuro, lá estou eu, aos oito anos de idade, com a minha mãe residindo na casa de minha avó, na cidade de Bayeux. Nestes dias vários desentendimentos familiares ocorrem, então minha mãe decide que chegou a hora dela procurar o seu lugar. A consequência disso: Nos mudamos e fomos morar no Loteamento Boa Vista (imagem abaixo), uma localidade entre os municípios de Bayeux e Santa Rita e que por este motivo era, e é, abandonado por ambos os poderes municipais.
Essa foi uma mudança de realidade muito forte para aquele menino mimado de oito anos de idade, pois eu passei a ter o real contato com a pobreza e com as pessoas que viviam dentro dela. A partir desta mudança de realidade outra se impôs: Eu e minha mãe nos tornamos quase nômades! Fomos morar 10 meses depois em uma outra casa no bairro de Tibiri Dois no município de Santa Rita, e neste bairro, posteriormente, nos mudamos outra vez.
Fora todas as dificuldades relacionadas a falta de dinheiro neste período das nossas vidas, estas mudanças sempre me causaram muito incomodo. Pois quando eu estava me acostumando com a nova localidade, quando eu estava fortalecendo minhas novas amizades, quando eu estava quase chamando a nova casa de lar, nós nos mudávamos mais uma vez. O resultado dessa vida andarilha foi uma inconsciente falta de conexão com tudo e todos, pois aquele menino sabia que uma hora ou outra ele poderia perder tudo.
No entanto estas duas casas em Tibiri me marcaram exponencialmente! Um dia, perdido nas nevoas da memória, estava eu na casa da minha Avó em Bayeux aguardando a minha mãe me buscar. Quando ela chega, vem no carro de um amigo e dessa forma rumamos para nossa casa em Tibiri. Dentro do carro minha mãe me dá um presente que havia ganhado no trabalho. Era uma daquelas publicações de Banca de Revista que continham um livreto e um CD.
Contemplei e li o título: Grandes Compositores da Música Clássica. E o Subtítulo: Johann Sebastian Bach. Bom, a primeira coisa que me chamou atenção foi a ilustração, de cor rocha, que apresentava antigos vitrais, possivelmente de alguma catedral europeia. Infelizmente, não achei o livreto em meus arquivos e nem na internet, mas sua capa se assemelhava à figura abaixo:
A primeira sensação ativada naquele menino de oito anos de idade foi a sensação de atemporalidade que iria perdurar por toda a sua vida. Ao olhar pela primeira vez aqueles antigos vitrais eu tive a clara sensação de que já os conhecia, de eles faziam, de alguma forma que desconheço, parte de mim. Lembro que falei para minha mãe: “Eu gosto disso e não sei por que eu gosto”. Além de disso, ali outra sensação me cortou: a da impossibilidade. Nos éramos pobres e não tínhamos um aparelho de som em casa para reproduzir o CD que acompanhava o livreto.
O que me restou foi a leitura do Livreto, o qual continha uma pequena biografia sobre o Sebastian Bach, e aguardar uma oportunidade de escutar o CD em um outro momento. Hoje, contemplando os anos, posso dizer com toda certeza que foi neste momento, após receber este presente, que começou a minha paixão pela História, tanto humana quanto da Arte. Aquele livreto abriu os meus olhos para um mundo muito maior e infinitamente mais velho que eu, e que poderia me ensinar incontáveis conhecimentos.
Felizmente, a segunda casa em que moramos em Tibiri Dois possuía três quartos. Um meu, um da minha mãe e um vazio. Este último foi oferecido a um amigo de trabalho da minha mãe. Ele foi morar conosco e este rapaz possuía um reprodutor de CD. Finalmente eu pude escutar o meu CD e fiquei maravilhado por aquele tipo de música que os meus ouvidos nunca haviam absorvido.
Tento pensar que o Bach estaria orgulhoso ao saber que sua música foi ouvida em um pequeno quarto, de uma pequena casa, por um pequeno menino em Tibiri Dois. Eu estaria se fosse ele. É sinal que ele conseguiu montar no cavalo do tempo e cavalgar através dos campos seculares da imortalidade.
Hoje, vejo meu passado de forma negativa, conforme afirmei no início, mas também tento vê-lo como o Passado da Humanidade! Como Seres Humanos temos um terrível rastro de crueldade em nosso desenvolvimento. No entanto, andando ao lado de tanta barbárie, há a evolução, a inteligência, o olhar para o belo e a busca incessante pelo conhecimento, que, combinados em um ser, podem gerar obras magníficas.