O Periódico Opinioso do Castelo da Curva do Rio
Trazendo pensamentos, lembranças, informações, entrevistas, comentários, o passado, o presente, o futuro e a narração de casos verídicos, em sua maioria fantasiados, escritos em prosa e verso pelo Segrel Paraibano Igor Gregório
Data: Vinte e seis de abril de dois mil e vinte cinco
Título: A Adoração do Ídolo
Sempre começo a pensar sobre algo a partir da etimologia ou do conceito que resume o meu pensamento, neste caso é a Idolatria. Sendo assim: Idolatria é a adoração de um ídolo como se fosse uma divindade, remontando o termo da palavra grega antiga eidololatria, que por sua vez é um composto de duas palavras: eidolon (imagem/ídolo) e latreia (adoração). A palavra eidololatria significa, portanto, “adoração de ídolos”! Com isso em mente, e precedendo qualquer culto ou religião monoteísta ou politeísta, o conceito me ensina que, ao adorar um determinado objeto ou ser, nós, os seres humanos, estamos buscando nele a divindade abstrata que ele remete. Ou seja, a imagem é um veículo entre a nossa sensação e a razão!
Recentemente assisti o bom filme Um Completo Estranho que narra, de forma biográfica, o início de carreira do cantor americano Bob Dylan. Ao concluir o filme percebi que algumas cenas e diálogos do filme ficaram ecoando em minha mente. Pinço dois momentos que me chamaram mais atenção e os trago aqui: O primeiro momento é uma cena em que o Bob, já no auge da fama, sai em passos apresados de um prédio buscando entrar no seu carro parado na rua, no entanto há uma multidão de fãs que, neste pequeno percurso, se jogam em cima dele, e depois no carro, expondo cartazes e implorando o mínimo de atenção; O segundo momento é quando Bob, também no auge da fama, abandona uma festa, em que todos pediam sua atenção, para ir até a casa da ex-namorada. Lá, ela o recebe às 4 da manhã com a pergunta: “O que você quer aqui, Bob”? Com um olhar e o silêncio ele responde. Mas após alguns segundos ele concluí (em tradução livre): “Todo mundo me pergunta de onde vêm as músicas que componho, Sylvie. Mas então eu observo os seus rostos, e eles não estão perguntando de onde vêm as músicas. Eles estão perguntando por que as músicas não vieram até eles”!

Se o Bob Dylan deu ou não essa resposta, ou se as cenas foram reais ou não, não importa! O que realmente importa é a profunda reflexão que esta frase e as cenas nos geram. Relembrando do conceito descrito “a imagem é um veículo entre a sensação e a razão”, e aplicando: A imagem (Bob) é um veículo entre a sensação (Fã) e a razão (Música). Na primeira cena descrita, é interessante observar que o artista que buscou incessantemente a fama, a idolatria, não sabe lidar com ela, gerando uma indiferença (ou repulsa) das pessoas que o colocaram naquela condição. Ou seja, o veículo cansando de ser somente uma ponte entre o sentimento do fã e a razão que ele produz, no caso de Dylan a música. É a partir daí que esse mesmo “cansado veículo” começa a pensar sobre a sua condição de acordo com que o filme dá a entender. Bob, começa a achar que está sendo usado por tudo e por todos, o que nos leva até o segundo momento em que ele percebe que pouco importa se é ele ou qualquer outro que compõe as músicas, o que realmente importa é que as pessoas desejam deixar de ser a “sensação” para ser o “veículo”.
E assim temos partimos para a complexa figura do fã! E eu pergunto: Quem nunca quis ser um astro da música, um grande atleta ou um ator famoso? Acredito que todos nós! E quantos de nós admiramos genuinamente estes ídolos, não por querer o que eles possuem, mas para usar a experiência que eles nos proporcionam com seu dom para elaborarmos nós mesmo a nossa experiencia ou nosso dom? Acredito que pouquíssimos de nós! Me pegando como exemplo, eu tenho uma profunda admiração pelo Bob Dylan e a sua poesia. Mas eu não quero ser ele ou fazer o que ele faz e do modo que ele faz, pois sei que o que ele faz e o que ele é parte de uma soma de fatores que fazem dele único. E ainda que eu tivesse esse objetivo, seria no mínimo burro de minha parte agir assim, pois eu estaria sendo somente uma bijuteria barata de uma joia rara. Lembrando que tudo que afirmo aqui é muito subjetivo.
Em algum momento da vida todos nós tentamos ser outra pessoa, e para isso nos julgamos duramente, e geralmente escolhemos esses “ídolos” para nos espelharmos, para tentarmos nos elevar acima do mundano esmagatório do mundo real. Isso na melhor das hipóteses! Pois quando pegamos o plano divino como exemplo, em meio às religiões, chegamos muitas vezes a matar a nossa verdadeira natureza para nos enquadrarmos nas dogmáticas propostas.
Confesso que ainda tenho muito o que pensar sobre o que escrevi até aqui, mas a uma pequena conclusão me atrevo a chegar, tanto para minha satisfação pessoal quanto por motivos literários. E essa conclusão é tentar não cultivar ídolos! Com isso em mente, afirmava eu, à minha companheira, um dia desses: “Cada vez menos tenho ídolos. E os poucos que cultivo cada vez menos idolatro, pois eu começo a ter a clara percepção de que eles são somente pessoas! E não há nada de divino nas pessoas, além da própria existência neste improvável planeta. Executar uma tarefa especifica melhor que outra pessoa não faz de ninguém uma divindade, ou pelo menos não deveria ser motivo de idolatria. Qualquer ídolo desse mundo é tão falho quanto qualquer um de nós e, geralmente, esse “dom” que as pessoas tanto admiram vem acompanhado de uma pá de merda, física e emocional, gigante!”
Um artista, ao concluir qualquer trabalho, mostra ao mundo o que há de melhor em sua feitura, e é isso que o mundo enxerga dele: O burilamento, a obra completa, a sua perfeição. Sendo assim, o fã tem que ter a consciência de que não se pode tomar o artista pela obra, essa é uma grande má interpretação, apesar de ser contraditória. O artista é um ser, como já dito, falho, diferente da obra que ele elabora, que é sempre uma busca incessante pela perfeição.