É curioso como a Arte consegue tocar nos recantos mais profundos da alma humana, de formas inesperadas. O artista, em sua natureza criativa, dialoga com o público, por meio de cores, formas, recortes, traçados, expressando pontos de vista, provocando reflexões, incomodando propositalmente, levando o espectador ao desconforto que faz a humanidade girar, evoluir, e muitas vezes, proporcionando apenas um afago poético, como se cada detalhe de uma obra de arte produzida nos abraçasse como uma bruma confeccionada de sonhos e possibilidades.

E todo esse universo mágico de sonhos possíveis pode ser encontrado em telas, bastidores e bordados, aquarelas, talhas em madeira, esculturas de argila, trabalhos de colagem em papel, estandartes, cada qual com uma técnica única, livres das regras acadêmicas de produção artística, em seus traços particulares de seus artistas-criadores. Sempre repleto de uma riqueza e pluralidade que brota da fonte inesgotável do Folclore Vivo e da Cultura Popular sempre fluida, em constante transformação, reflexo do cotidiano do povo. É assim, um convite irrecusável para um deleite. Um banquete que alimenta a alma, anima a mente e fortalece o corpo.
Estas definições iniciais, tão alinhadas como pontos de um bordado, bem que poderiam descrever um dos estilos artísticos mais “emocional” da História da Arte. Estilo vivo e pulsante até os dias de hoje. Estou aqui a falar da Arte Naïf. A propósito: Você sabe o que é Arte Naïf?
Embora muitas pessoas nunca tenham escutado falar sobre, ou tenham pouco conhecimento sobre este estilo, a Arte Naïf não é um estilo artístico recente e já vem atravessando séculos de expressões artísticas ao longo da extensa linha do tempo da História das Arte.
Ganhou notoriedade nas pautas oficiais dos estudos de Artes em meados do Século XIX, a partir das obras de Henri Rousseau (1844 – 1910), pintor autodidata francês, que viria a se tornar o representante máximo da Arte Naïf para o mundo.

Porém, nem só de glórias viveu Rousseau, que logo de início não agradou aos críticos. Ele, que pintava inicialmente como forma de lazer, despretensiosamente. E despertou a antipatia dos artistas acadêmicos, devido ao seu estilo livre, sem uso de técnicas de desenho e pintura conforme era ensinado nas Escolas de Belas Artes. O termo “Naïf” surge justamente desta antipatia. Quase como um deboche, pois traduzindo do francês, Naïf significa “ingênuo”. Mas não um ingênuo por pureza ou ausência de habilidades artísticas. Mas, naquele momento, a palavra referida ao estilo de pintar de Rousseau, estava mais para um desdém que desmerecia o trabalho do artista, por não seguir padrões acadêmicos como era de se esperar de um pintor da época.

Porém, foi exatamente este estilo próprios quem cativou e despertou a simpatia de um outro grupo de artistas: os de Vanguarda. Dentre os nomes mais significativos da época, Paul Signac, Paul Gauguin e Pablo Picasso. Não demorou para que em 1886, Henri Rousseau expusesse pela primeira vez no Salão dos Independentes de Paris.
A primeira exposição de Arte Naïf em Paris só aconteceria oficialmente em 1928, dezoito anos após a morte de Rousseau. A exposição, organizada por Wilhelm Uhde, contaria com obras de artistas como André Bauchant, Camille Bombois, Sèraphine Louis, Louis Vivin e obras do próprio Henri Rousseau.
A partir do século XX, e logo após advento do Modernismo, o Naïf amplia seu espaço no cenário artístico mundial, dividindo espaço com outros estilos artísticos como o Surrealismo, o Abstracionismo, Futurismo, Dadaísmo e Cubismo, tornando-se popular nos Estados Unidos, antiga Iugoslávia, Haiti e no Brasil.
A estética Naïf é peculiar, uma vez que está desprendida dos moldes academicistas de produção artística.

É carregada de um colorido intenso, figuras bem-marcadas com pouco ou nenhum uso de perspectivas, sendo muitas vezes desproporcionais. O artista, um verdadeiro brincante em suas produções, segue seu próprio instinto criativo. Apesar da grande maioria ser autodidata (com pouco ou nenhuma instrução de criação técnica artística), o artista naïf é profissional em seu ofício, sempre experimentando novas possibilidades de produção, de uso de materiais, combinação de cores e formas.

Os temas podem variar, mas frequentemente encontramos obras regionalistas, com forte ligação com elementos folclóricos, populares, do sacro ao profano, além de temas voltados para representações literárias eruditas e populares, fatos Históricos, relacionamentos amorosos, memórias afetivas, festas e folguedos e até críticas sociais. A verdade é que não há fronteiras, barreiras, trincheiras para o artista Naïf.
No Brasil, o Naïf encontrou um solo fértil que logo floresceu. Grandes nomes se destacaram e serviram de inspiração e referência para muitos naïfsda atualidade, bem como Maria Auxiliadora, Heitor dos Prazeres, Djanira da Motta, Chico da Silva, Aldemir Martins.
Além da pintura, este estilo também se expressa por meio da confecção de Dioramas (a exemplo dos trabalhos de André Cunha, proprietário da Galeria que carrega o seu nome, bem como o MIMAN – Minimuseu de Arte Naïf de Paraty, mantido em parceria com seu sócio Pedro Cruz), Cerâmica (como os trabalhos de Antonio Poteiro) e as esculturas em argila (popularizadas nos trabalhos de Mestre Vitalino). Os bordados também estão presentes nessa forma de expressão e linguagem, a exemplo dos trabalhos das bordadeiras Valéria Grille, Mônica Versiani, Parísina Ribeiro, Zélia Lima, Zila Abreu, Célia Caliê.
Atualmente, diversos espaços e instituições de Arte e Cultura promovem Salões, Exposições, Encontros e Mostras de Arte Naïf pelo Brasil e pelo mundo. No Brasil, é possível acompanhar a Mostra Atual Paraibana de Arte Naïf do SESC. Em Socorro/São Paulo, há a Mostra Internacional Totem das Cores. Em Batatais/São Paulo, aconteceu em Dezembro de 2024 o I Salão Nacional de Arte Naïf, idealizado pela artista NaïfbatataenseCon Silva.


Voltando para a Paraíba, é de suma importância falar sobre o FIAN – Festival Internacional de Arte Naïf, que está em sua sexta edição, no ano de 2025.
O FIAN acontece anualmente na Cidade de Guarabira, brejo paraibano (Cidade que inclusive, recebeu em 2019, o título de “Capital Cultural da Arte Naïf no Brasil”, pois lá é a terra natal de grandes nomes do Naïf paraibano, como Adriano Dias, Clóvis Júnior e Marby Silva). Em sua sexta edição, o Festival homenageará os artistas Geo Oliveira e Ivone Mendes, e contará com obras de artistas internacionais da Argentina, EUA, França, Cuba, Alemanha, Romênia, Congo, México, Itália, Canadá, Portugal, Venezuela e República Tcheca. Artistas de vários estados do Brasil também foram selecionados para este Festival, em especial os paraibanos Analice Uchôa, Letícia Lucena, Patrícia Lucena, Gildo Xavier, Val Margarida e Lais Lima Sobreira (representando o bairro de Tibiri II/Santa Rita, com duas telas selecionadas e sendo uma das telas intitulada “Sagrada Cultura Viva ou Festejos Santarritenses” uma homenagem à própria cidade de Santa Rita-Paraíba).


Como podem assim, depois de todo esse desenrolar de ideias, terminarmos nossa prosa com a ideia de que o artista Naïf é, na essência da palavra, um ingênuo? De forma alguma. São inquietos, com um senso gigantesco de transformação aflorada e uma necessidade de colorir o mundo com seus posicionamentos e anseios! São mesmo Intensos! E Viva por isso!

Por Lais Lima Sobreira – 28 de Abril de 2025