O território que compõe a atual cidade de Santa Rita, como sabemos, está entrelaçado com a história de “conquista” da Paraíba pelos portugueses. Quando ainda não havia sido nomeado da maneira que conhecemos hoje, já desempenhava um papel importante na economia da Província através da construção de seus muitos engenhos e do cultivo da cana de açúcar. Alguns dos donos de engenhos que viram na várzea do rio paraíba um lugar propício para seus investimentos, também participaram das campanhas militares contra os indígenas potiguaras – valentes guerreiros, vale salientar – aumentando, assim, o prestígio de seus nomes. Com isso, gostaria de lançar neste espaço pelo qual você me lê, algumas curiosidades históricas que estão ligadas ao território que posteriormente foi nomeado de Santa Rita, seus engenhos, seus respectivos donos e a Santa Inquisição.
Entre os senhores que mandaram construir engenhos na várzea, estão alguns cristãos-novos, ou seja, judeus convertidos ao cristianismo, como Ambrósio Fernandes Brandão e Diogo Nunes Correa, o primeiro foi dono do Engenho Gargaú e do São Gabriel, também conhecido como Engenho do Meio, e o segundo foi dono do Engenho Santo André. Há uma curiosidade na história desses dois homens, que vai além de suas origens portuguesas e dos vínculos comerciais, ambos foram alvos da Inquisição no Brasil em uma das visitas do Santo Ofício na colônia, durante os anos de 1591 e 1595. O Engenho Santo André, séculos depois, também tornou-se palco de uma triste coincidência, pois sua moradora, Guiomar Nunes, também seria denunciada e condenada pela Santa Inquisição.

Entre os motivos pelos quais os cristãos-novos como os citados anteriormente, saíram de Portugal e se fixaram no Brasil, especificamente em Pernambuco, está relacionado com o objetivo de fugir da forte atuação da Inquisição em terras lusitanas e conseguirem ter um pouco mais de liberdade religiosa na colônia, como afirma a historiadora Regina Célia Gonçalves em seu livro Guerras e Açucares. A importância que Brandão e Nunes conquistaram no Brasil, partiram dos papéis que desempenharam na economia local, na conquista da Paraíba como militares e até em cargos administrativos, como o caso de Brandão, que foi escrivão de Bento Dias de Santiago, um grande comerciante português que viveu em Pernambuco, o que não impediu de serem denunciados ao Santo Ofício por práticas judaicas e blasfêmia.
Enquanto Ambrósio Fernandes Brandão havia sido denunciado por supostamente frequentar uma sinagoga secreta em Camaragibe/PE, Diogo Nunes foi acusado por dizer que não era pecado dormir com mulheres negras, desde que fossem pagas. Ao que indicam as fontes que consultei, Brandão não foi condenado pela Inquisição e teve seus bens destinados aos herdeiros, diferentemente de Diogo Nunes, que foi preso e sentenciado em Olinda, sendo publicamente amarrado a uma corda com uma vela acesa na mão, indicando que ele representava um “suspeito de fé”. Após essa exposição pública, teve de ser instruído por um clérigo da Igreja Católica, como uma forma de se regenerar espiritualmente.
E como havia mencionado anteriormente, alguns séculos depois, o Santo Ofício no século XVIII, faz mais uma visitação ao Brasil, e desta vez, além de receber acusações que comprometiam as vidas de muitos novos-cristãos, também condena Guiomar Nunes, coincidentemente moradora do Engenho Santo André, do qual Diogo Nunes foi dono no século XVI. A cristã-nova, Guiomar Nunes, era natural da Capitania de Pernambuco e havia se mudado para a Paraíba, onde viveu com seu companheiro, Francisco Pereira, que trabalhava na fabricação de latas. Ao que as fontes indicam, diante das acusações que sofreu, Guiomar foi levada para Pernambuco, e de lá para Lisboa, onde foi condenada pela Inquisição.

Através do site do Arquivo Nacional Torre do Tombo, pelo qual podemos acessar uma imensidão de documentos históricos digitalizados, a moradora do antigo Engenho Santo André, do qual nada restou em pé, foi acusada de praticar tradições judaicas, e por este motivo, foi presa no dia 08 de Outubro de 1729, e teve uma das sentenças mais cruéis no auge dos seus 35 anos de idade. Guiomar Nunes foi levada à Lisboa onde foi condenada a excomunhão maior e “relaxada à justiça secular”, ou seja, foi queimada na fogueira da Inquisição Portuguesa.
Diante dos casos mencionados acima, vale ressaltar que no Brasil não houve uma instalação do tribunal da Santa Inquisição, mas ocorreram algumas visitações que resultaram em perseguições e condenações aos novos-cristãos. Podemos, portanto, constatar através de diferentes fontes, a presença do Santo Ofício na Capitania da Paraíba, e como sua infeliz atuação esteve ligada aos senhores e moradores/as dos engenhos localizados na várzea do rio Paraíba, hoje, apontados como pertencentes ao território do município de Santa Rita.

Fontes:
BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das grandezas do Brasil / Ambrósio Fernandes Brandão. — Segundo a edição da Academia Brasileira / corrigida e aumentada com numerosas notas de Rodolfo Garcia e introdução de Jaime Cortesão. – Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2010.
GONÇALVES, Regina Célia. Guerras e Açúcares: política e economia na Capitania da Parayba, 1585-1630. Bauru/SP: Edusc, 2007.
MORDOCH, Gabriel. Os diálogos das grandezas do Brasil (1618) de Ambrósio Fernandes Brandão, e os cristãos-novos no Brasil colonial.
OLIVEIRA, HalysonRodrygo Silva de. Mundo de medo: Inquisição e cristãos-novos nos espaços coloniais. 2012
Portugal, Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício. Processo de Guiomar Nunes.