“(…) a vertigem
de teu fosso interno
Espelha”
Tudo começou em 25 de outubro deste ano, quando recebi uma mensagem inesperada pelo Instagram. Um certo Andrey Oliveira, professor universitário de literatura em Natal (RN), manifestava sua admiração pelo meu trabalho e, de maneira cordial, oferecia-me seu recém-publicado livro de poemas, “Coruja de Trapo”, publicado pela CEPE, de Pernambuco.
Curioso por novidades e amante inveterado da poesia, aceitei o presente com entusiasmo. Dias depois, o livro chegou pelas mãos do carteiro, e, antes mesmo de abrir o pacote, sentia o peso da responsabilidade de não apenas lê-lo, mas de compreendê-lo em sua essência.
Minha primeira impressão ao folhear “Coruja de Trapo” foi de surpresa: a maturidade literária de Andrey transparece em cada verso.
Poucas semanas após meu breve reconhecimento inicial, Andrey compartilhou comigo, com notável humildade, a alegria de ter seu livro agraciado com o terceiro lugar no Prêmio Literário da Biblioteca Nacional, um dos mais importantes do país. Essa conquista só reforçou minha impressão de que estava diante de uma obra sólida e marcante.
“Coruja de Trapo” é uma obra que encanta não só pela estética, mas pela profundidade com que Andrey retrata o desgaste inerente à existência. É um livro de estreia, mas carrega a dicção de quem já observa o mundo com um olhar finamente lapidado. Seus poemas são sofisticados, marcados por uma notável fluidez e qualidade plástica, como se cada palavra fosse esculpida para ocupar precisamente seu lugar.
A estrutura do livro é outra de suas virtudes. Dividido em seis sessões, a obra se apresenta como um esqueleto meticulosamente construído, sugerindo um roteiro não apenas deste livro, mas possivelmente dos caminhos futuros que Andrey possa trilhar. O mar, as descrições impressionistas e o observador atento à finitude do mundo são temas que se entrelaçam e convidam o leitor a um dessecamento lírico, onde o essencial é exposto sem ornamentos desnecessários.
A escolha do título, “Coruja de Trapo”, é particularmente significativa. A coruja, símbolo universal de sabedoria e da noite, contrasta com o trapo, que evoca desgaste, apodrecimento, e, como indicam as epígrafes do livro, a queda da existência. Essa dualidade é um convite ao leitor para refletir sobre o tempo, o envelhecimento e a inevitável decadência que nos cerca. Não apenas a nós seres humanos, mas a materialidade ao nosso redor.
Além disso, o diálogo com a tradição do modernismo, especialmente com nomes como Ferreira Gullar e João Cabral de Melo Neto, é palpável. A obra ressoa uma afinidade com esses mestres ao trazer à tona não apenas um estilo conciso e direto, mas também ao revelar uma contemplação profunda da realidade, embebida de uma sensibilidade rara.
A leitura de “Coruja de Trapo” me deixou com um sentimento de satisfação e reflexão. Andrey Oliveira não apenas estreou com uma obra de impacto, mas estabeleceu-se como uma voz relevante na poesia contemporânea. A sublime estética do desgaste que ele nos apresenta é um testamento à capacidade da poesia de capturar e transformar o efêmero em eterno.
