O mundo é muito antigo, nada é realmente novo. As ideias, as histórias e até os dilemas humanos tendem a se repetir sob novas roupagens, como as engrenagens e caldeiras que, mesmo substituídas, seguem impulsionando sua locomotiva. Entretanto, algumas experiências nos fazem erguer os olhos para além dessa sala de máquinas, permitindo-nos vislumbrar, mesmo que por um breve instante, os ventos que serpenteiam do lado de fora.
Não foi de primeira que eu realmente escutei Belchior. Seu grito subversivo, sua pressa de viver foram revolucionários para um Pedro que começava a vida adulta. Chico Buarque, quase um extremo oposto, combinava a fluidez poética com um rigor estrutural com o qual eu me identificava formalmente. Alma e corpo, meus painhos musicais formariam um casal de opostos?
Ambos eruditos, ambos cheios de referências que moleques como eu só perceberiam na casa dos trinta. Literatura, poesia e prosa, músicos mais antigos e contemporâneos; política, ditadura, as feridas do amor. Essa aura setentista foi a porta de entrada para drogas mais pesadas: Lana Del Rey, em sua melancolia autocontemplativa, em suas drogas e diamantes e seus amores disfuncionais, falava como falaria para um jovem cansado e descrente, um egresso da Revolução Estudantil, um prodígio da Era de Ouro de Hollywood.
E foi nessa busca por novas experiências musicais, transitando entre o clássico e o contemporâneo, que me deparei com um prodígio da música local. General Store, Centro Histórico de João Pessoa, um rapaz de vestes cintilantes, brincos longos e olhos marcados, e um jeito cenográfico que lembrava Ney Matogrosso e Freddie Mercury. O card em suas redes prometia mais um tributo aos clássicos da MPB…
… e entregou uma performance única!
Allan Vitor traz MPB e rock nacional como marcadores de sua própria identidade, como se dissesse “É daqui que eu venho” antes de nos dizer finalmente a que veio: Belchior, Rita Lee, Pitty, Cazuza, Cássia Eller e Amy Winehouse permeiam uma performance autoral entregue e libidinal, como se uma versão masculina e consideravelmente mais jovem da Maria Bethânia decidisse enveredar para o rock. “É uma de minhas referências”, respondeu docemente o rapaz, ao correlacioná-los ainda naquele show.
Kaco’s (2024) é sua primeira intervenção autoral. Com vocais potentes, o eu lírico queixa-se da inautenticidade de um amor partido, ao tempo em que lamenta a profundidade da própria entrega; e emenda:
Sei que não é minha culpa
Ter nascido a flor da pele
Ascendente em leão, vênus em escorpião
Sinto pelo mundo inteiro ou por nada mais
Amores líquidos, dessublimação das crenças tradicionais; a música encanta por representar o aventureiro do amor profundo em suas esperanças e desilusões. No mesmo tom, seu segundo single, Intensidade (2025):
Será que o amor é essa coisa de brincar de machucar?
Será que a vida é uma história
Onde o que é bom vai terminar
Assim?
Ciente da própria historicidade, Allan Vitor segue uma trilha de respeitáveis artistas que nos apresentam a nós mesmos, homens intensos e desejantes, nos trilhos tortuosos dos sentidos.
“Minha referência é tudo o que é visceral”, informa em entrevista. “As pessoas que encontram a minha música são pessoas que precisavam ouvir minha mensagem, exatamente como muitas vezes precisei e não tive!”

O mundo é muito antigo, nada é realmente novo. Mas é no deslizar e dedilhar o eixo de nossos sentimentos que uma experiência se torna única. Allan Vitor faz isso — e sua música, crua e sem concessões, ressoa num público cada vez mais ávido por emoções genuínas; reafirmando, com visceralidade e entrega, a força da arte como espelho e catarse.