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A inescapável teia de não sei o quê

A conversa era sobre apocalipse, um apocalipse sutil, insidioso: a inescapável teia dos algoritmos. O cenário era de vigilância absoluta, controle total, um mundo em que cada passo, cada escolha, cada desejo latente já havia sido previsto, catalogado, precificado.

Não que eu negasse a distopia desenhada ali. Mas, enquanto falavam de desespero, eu pensei em Tranquilize, do The Killers:

We’re the ones who still believe

Andwe’re looking for a page

In that lifeless book of hope

Where a dream might help you cope

With the Bushes and the bombs

Tranquilize

Ainda acreditamos, ainda estamos juntos. Então fique tranquilo.

Não confunda minha oposição com negação. Sei bem da teia que se lança sobre nós. As big techs rastreiam o que compramos, o que falamos, o que mesmo dizemos em voz alta. As propagandas me encontram antes que eu formule o pensamento. As necessidades nascem antes do desejo. Há fome em todos os cantos, e todas são exploradas.

Chamam de Internet das Pessoas: uma rede em que os indivíduos não são meros usuários, mas agentes diretos, conectados entre si sem intermediários onipresentes. Parece bonito. Mas há um conflito inerente, sempre há: soberania digital versus a sede infinita de lucro. Segurança pessoal versus a nova versão das grandes navegações. No passado, uma terra sem dono era do primeiro que chegasse. Agora, qualquer dado deixado ao vento é do primeiro que souber capitalizá-lo.

No fundo, sempre houve uma inescapável teia de não sei o quê.

Nasci no fim dos anos 80, cresci ouvindo sobre a inescapável teia da globalização. O apagamento das culturas locais, a homogeneização da experiência humana. Falava-se em resistência, e a resistência veio. Entre proteções estatais e resgates espontâneos, a identidade nacional e as identidades locais se tornaram um conceito inescapável também.

Na graduação, ouvi sobre a inescapável teia do poder. Ele não emana de um centro, mas permeia tudo. Onde há relações, há poder, regulando, moldando, estruturando. Nietzsche já falava da vontade de potência. Jung dizia que onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor — um como a sombra do outro.

Agora, a nova teia: algoritmos que não só mapeiam o presente, mas moldam o futuro. Não há resistência individual possível. Mas talvez haja coletiva.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), no Brasil, e o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR), na União Europeia, representam algumas tentativas de impor freios à captura indiscriminada de informações. A LGPD (Lei nº 13.709/2018) estabelece princípios claros, como a necessidade de consentimento informado, a limitação do tratamento de dados à sua finalidade específica e o direito do titular de acessar, corrigir e até solicitar a exclusão de suas informações. Já o GDPR, referência global, avança ao impor sanções severas e estabelecer o conceito de privacy by design, exigindo que a proteção de dados seja um pilar estruturante de qualquer tecnologia ou serviço.

Mas leis não valem por si sós. Regras sem fiscalização são só promessas vazias. Controle sem vigilância social se torna captura. Quando Mark Zuckerberg ignorou intimações e quando Elon Musk desafiou decisões judiciais alegando “liberdade de expressão”, não se tratava apenas de disputa retórica. É um sintoma de que o jogo ainda está aberto — e as regras, se não forem defendidas, serão apenas um detalhe incômodo para os grandes jogadores. O Leviatã dos dados já é grande demais para cair por si só.

Talvez seja ingênuo. É catastrófico, eu sei. Mas ainda acreditamos, e ainda estamos juntos. Fique tranquilo.

Pedro Pereira de Sousa Neto
Pedro Pereira de Sousa Neto
Advogado, escritor e gestor cultural. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), é especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública e proprietário do Escritório PP Advocacia. Vice-Presidente da Cia Multicultural Art'Spaço, atua na promoção cultural e já foi agente do Fundo de Apoio à Cultura do Governo do Distrito Federal (FAC-DF). Em 2024, lançou Dois Sonhos: Primeiro Sonho (Viseu), romance de estreia desenvolvido com apoio do FAC-DF, no qual foi classificado em primeiro lugar na modalidade de desenvolvimento de obra literária, destacando-se pelo rigor criativo e pela profundidade narrativa.
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