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Três Exemplos

O Periódico Opinioso do Castelo da Curva do Rio

Trazendo pensamentos, lembranças, informações, entrevistas, comentários, o passado, o presente, o futuro e a narração de casos verídicos, em sua maioria fantasiados, escritos em prosa e verso pelo Segrel Paraibano Igor Gregório

Data: Treze de maio de dois mil e vinte cinco

Título: Três Exemplos

Lá das bandas do Sertão do Pajeú, no Pernambuco, são exportados, para todos os outros recantos do Brasil, três exemplos poéticos que precisamos prestar atenção. Afirmo isto como o mais bairrista de todos os paraibanos. E por isso, antes de discorrer sobre estes três exemplos, transcrevo aqui um trecho de um texto que há muito escrevi:

“Desde que tomei consciência do meu lugar no mundo tive inveja dos Pernambucanos. Eu, como Paraibano, sempre segui na manada que mugia o coro despeitado que dizia: “Recife é ruim demais! Cidade grande, suja, feia! O Povo do Pernambuco é muito besta, se acha demais”!

Veja bem, claro que esse sentimento era oriundo do tamanho cultural do Pernambuco, que, por ser imenso, deixa a nossa Paraíba vivendo nas sombras! Nossos vizinhos disseminam cultura por todo canto e para todo canto. Pernambuco se levanta como um dos maiores celeiros artísticos do Brasil. É berço do Carnaval brasileiro e Pai do Frevo. Gerou vultos como Luiz Gonzaga, João Cabral de Melo Neto, os Irmãos Batistas, só para citar alguns filhos deste ventre tão frutífero. Dessa forma, era normalíssimo que a Paraíba abraçasse o rancor e o despeito ao residir à margem de toda esta produção cultural.

Todavia, indo além dessa inveja infantil, eu me voltava para a Paraíba, refletida nos seus artistas, e, matutando, tentava entender esse comportamento. Eu observava, aqui do meu canto, os duros passos que eram dados num carrascal cultural abandonado que, vez por outra, alguma coisa verde brotava. Mas sempre que essa coisa surgia era resultado de uma produção banhada de Sangue. Nada aqui era liso, limpo, colorido, brilhoso ou delicado. Não! Aqui na Paraíba a tez da arte é áspera, cheia de fraturas, arranhões e queimaduras. Minha Avó resumiu certa vez tudo que estou narrando até aqui: “Meu filho, na Paraíba não existe anistia, não”! No entanto, apesar deste sofrimento, eu sempre admirei demais os vultos paraibanos que brotavam com personalidades únicas dessa luta! Contudo, ficavam os questionamentos: A que preço eles brotam? Quantos não padeceram diante de tamanho enfrentamento e da falta de apoio? Quantos morreram dentro deste carrascal de julgamento? Por que os paraibanos são tão duros com os seus?”

Pois bem!

Retornando aos exemplos, que são três, mas que podem ser múltiplos, são eles: Antonio Marinho, Isabelly Moreira e Vinícius Gregório. Os três jovens poetas pajeuzeiros, apesar da pouca idade, já possuem uma longa e fértil jornada, e, sobre os três, relato experiências pessoais para completar a apresentação.

A primeira vez que ouvi falar de Antonio Marinho foi no documentário Ouro Velho Mundo Novo apresentado por Lirinha e dirigido por Claudio Assis e Lirio Ferreira. Eu sempre gostei, e ainda gosto, de gente apaixonada e poucas pessoas são tão apaixonadas quanto Marinho. Sua declamação, a sapiência e a força com que ele fala sobre a poesia de seu povo e de sua terra me conquistaram de imediato e, claro, após assistir este documentário fui procurar saber mais sobre a poesia pajeuzeira. Assisti outros documentários e entrevistas, li colunas, artigos, livros e poemas e por fim tomei coragem e convidei Marinho para conversar. Para minha felicidade, ele aceitou e passamos quase três horas conversando em uma live. Link abaixo:

Nesta conversa conheci não somente a poesia de Marinho, mas também sua generosidade. Ao produzir a sua poesia, esse pajeuzeiro, produz todo um movimento que tanto honra sua genealogia, como os versos que seu povo produz. Porém, vale salientar, que essa generosidade coletiva não seria nada sem a generosidade individual de Marinho, refletida no olhar carinhoso, na luta pelos irmãos de arte e na atenção dada a cada ser que bate à sua porta. E ambas, a coletiva e a individual, formam a inconfundível Festa de Louro, um festival de poesia organizado por Marinho, sua familia e vários amigos. Se apresentando como um dos maiores eventos poéticos/culturais do país, a Festa de Louro mostra à nação brasileira como é rica a sua própria arte. E foi justamente neste maravilhoso evento que, por convite do próprio Marinho, pude finalmente conversar pessoalmente com ele e sentir a força poética de seu lugar.

Em 2023 publiquei meu primeiro livro de poemas e demonstrando mais uma vez sua generosidade, Marinho o prefaciou, o que me gerou não somente um sentimento de valorização como poeta, como me deu um sentimento de pertencimento imenso com a minha terra, pois Antonio Marinho do Nascimento descende em linha direta dos primeiros propagadores da poesia paraibana, oriundos lá da cidade serrana de Teixeira.

Indo para o segundo exemplo, mas permanecendo ainda na Festa de Louro, pude também conhecer pessoalmente, uma vez que também já havia conhecido ela no documentário citado, Isabelly Moreira. Lá na festa, ela me guiou até o palco e me entregou o microfone para que eu pudesse fazer a minha primeira declamação nas terras pajeuzeiras. Quando desci, extasiado do palco, ela me disse carinhosamente: “Gostei muito da sua poesia, Poeta”. Lhe agradeci, lhe dei um abraço e não nos encontramos mais. Todavia de longe lhe observo: Isabelly, além de produtora cultural, é advogada, poetisa e musicista. Tanto sua produção, como sua atuação cenário artístico, é mais que consolidada, é admirada. E com certeza sua luta cultural e poética ainda irá influenciar a vida de muitas meninas e mulheres que terão a oportunidade, que ela, como disse em entrevista recente (link abaixo), não teve, de se encantar com uma referência feminina, poética e moralmente, poderosa.

Já o terceiro exemplo (que na realidade foi o primeiro dos três que conheci), Vinícius Gregório, me surgiu a partir da pergunta que Laelma (esposa de Santanna, O Cantador) me fez ao me conhecer: “Você é irmão de Vinícius Gregório, poeta lá de Pernambuco”? Respondi que não e continuamos a conversa, mas fiquei com o nome de Vinícius na cabeça. Chegando em casa o procurei, o encontrei e o admirei. E essa admiração que tenho pelos três poetas pajeureiros é parte de uma coisa mais profunda, pois admirar mestres é até uma coisa fácil devido à acumulação de conhecimento retido através dos anos em um único ser. Difícil mesmo é admirar pessoas da nossa idade que, por causa da proximidade etária, geram um julgamento interno imediato (pelo menos em mim): “Como danado esse cabra é tão bom, e eu sou só isso que eu sou? Bora se mexer, cabra véi”!

Aquém desses julgamentos internos, há, como eu disse, a admiração, pois eu percebi que esse jovem pajeuzeiro declamava sua verve única com uma voz coletiva enorme. E é justamente essa voz coletiva que une os três exemplos citados aqui e faz com que eu olhe, daqui da Paraíba, para os três pajeuzeiros e continue a matutar sobre essa questão essencial para a poética paraibana (mas que cabe para todos os outros escopos da arte): O valor que damos aos nossos!

Neste mote, e além do evidente talento dos três e de tudo que já foi citado até aqui, é justamente isso o que faz deles um modelo a seguir: o valor que os três dão um ao outro! Em todos os documentários, entrevistas e postagens que me deparei com os três poetas, há sempre a menção mútua (uma prova são os três episódios do Podcast Nordestino que compartilhei aqui). Marinho cita Isabelly, Isabelly cita Vinícius e Vinícius cita Marinho em um ciclo de valorização que engrandece não somente o coletivo, mas o indivíduo. É que sempre que um poeta cita, engrandece, homenageia ou recita um conterrâneo, ele está automaticamente elevando o seu lugar e se elevando também.

Recentemente percebemos surgir vários grupos de poetas e o mais relevante deles, em termos de audiência, é o ótimo quarteto Os Poetas formado por Aryel Freire, Rodrigo Inojosa, Jessé Costa e Hérica Souza. Mas que fique claro aqui: O que falo não é sobre formar um grupo, talvez inorgânicamente, e sair por aí fazendo arte. Não, o que falo aqui é da naturalidade contida na alma! Marinho, Isabelly e Vinícius com certeza não fazem o que fazem de caso pensado, e sim porque são assim. Se gostam e se admiram. Sendo assim, é preciso que a gente, daqui da Paraíba, olhe para essa naturalidade e comece a forçar um pouco esse comportamento. Sabe por quê? Porque Leandro Gomes de Barros e Ariano Suassuna construíram sua obra e despontaram para o Brasil no Recife, José Lins do Rêgo no Rio de Janeiro, Augusto dos Anjos também no Rio e em Minas Gerais, Chico César em São Paulo. Só para citar alguns, de vários, artistas paraibanos que precisaram ser reconhecidos fora da Paraíba para que os seus conterrâneos e as instituições dessem o devido valor aos seus talentos. Isso tem que parar!

Na Paraíba não existe anistia, não”! É o que eu cresci ouvindo e o que a História sangrenta da Paraíba nos ensina (até em sua bandeira). Só que chega uma hora que, o estado assumindo a forma de uma pessoa, precisa aprender a dar valor aos seus filhos. Cada pessoa que forma esse estado precisa pôr a mão na consciência e valorizar a sua arte. Eu sei que essa é uma tarefa árdua e de muitas gerações, no entanto há uma tarefa mais fácil, imediatista e capaz de ser realizada a partir do exemplo dos três poetas pajeuzeiros. Nós, artistas paraibanos, precisamos começar a se auto-valorizar! Acho eu que precisamos inspirar nosso povo e ser, a partir dos nossos atos, um exemplo de união! Precisamos construir uma rede de reconhecimento que é conectada pelo amor que tempos por essa terra. A Paraíba precisa se anistiar, pois o Pernambuco também foi banhado de sangue em sua história, mas parece ter transcendido. A Paraíba precisa transcender e perdoar os seus erros para seguir em frente se valorizando e consequentemente formando uma cultura, mais forte, mais pulsante e ciente de si. Nesse contexto, como o Pernambuco tem o Frevo, nós temos o Cordel, a Cantoria de Viola e inúmeras manifestações culturais que precisam deixar de ser manifestações “momentâneas e pitoresca” para ser o Símbolo do nosso estado! Nós temos nossos vultos ilustres que precisam deixar de ser lembrança passageira na mente do paraibano para ser saudade latejante e permanente que, na grandeza do sentimento, nós iremos buscar, com paixão e ternura, para lembrarmos de onde viemos, quem somos e para onde vamos.

Em recente texto, publicado no dia 11/05/2025 no Jornal União, o mestre Hildeberto Barbosa, imortal da Academia Paraibana de Letras, acerca do evento de relançamento do livro EU, do nosso poeta maior, Augusto dos Anjos, protesta, demonstrando de forma cabal, sobre o que venho narrando até aqui (link para o texto completo aqui):

Éramos poucos, muito poucos no rito singelo de louvação à memória do bardo do Pau d’ Arco. Éramos presas da alegria e da gratuidade, quixotes de mais uma aventura no reino das utopias culturais. Não vi lá a imprensa, nem escrita, nem falada, nem televisada. Não vi lá as instituições culturais. Nem a UFPB, nem a API, nem a APL. Principalmente, a APL! Augusto dos Anjos é o seu maior patrono, o símbolo nuclear de sua estrutura acadêmica e de seu lastro histórico. Não vi os poetas da terra. E são tantos! Não vi os estudiosos de sua poesia. Não vi seus leitores anônimos, seus admiradores contumazes. O poeta nunca esteve tão sozinho na memória dos que dizem amar a sua poesia. A verdade, extraída de seus versos, nos esbofeteava no último terceto de “O poeta do hediondo”: “Eu sou aquele que ficou sozinho/cantando sobre os ossos do caminho/a poesia de tudo quanto é morto”.

Logicamente, ao narrar tudo isso eu não estou alheio à realidade, há algumas iniciativas contínuas, em várias instâncias, que buscam sempre a valorização da cultura paraibana, cito alguns exemplos: O excelente programa Nossa Gente do Mestre Fuba, no Canal TV Câmara JP; Há também a Usina Cultural Energisa que possui toda uma grade de programação exclusiva para artistas locais, durante todo o ano, que vai do Slam, passa pelo Rock, MPB, Forró e chega nos grupos de Ala Ursas, Maracatus e Grupos de Coco e várias outras iniciativas culturais, individuais e coletivas; Há inúmeras rádios que resistem e ainda tocam e divulgam a nossa música, a exemplo a Tabajara; Há o programa Cantos e Contos da TV Correio. Na Cantoria de Viola, por incentivo da Funesc, há o De Repente no Espaço e o De Repente na Estrada, os quais, apresentados por Iponax Vila Nova, levam cantorias pagas pelo Governo do Estado da Paraíba, mensalmente, para os municípios gerando, não somente o espetáculo para público, mas renda e sustento para dezenas de Cantadores de Viola. Também por iniciativa de Iponax, temos o Clube do Repente, com duas cantorias mensais, uma João Pessoa e outra em Campina Grande; Por fim, há o já apresentado acima, Podcast Nordestino, que por uma belíssima iniciativa de Arthur Vilar, apresentador, dissemina para o mundo as mais relevantes vozes da nossa cultura nordestina.

Entretanto, olhando para o dia a dia, para o povo, para meus amigos e parentes, para o meu vizinho, para o bar que frequento, acredito que ainda falta uma mudança de mentalidade, uma mudança de alma, tanto dos artistas, que parecem sentir o prazer mesquinho de se sabotar, como da população, pois não pense, elevadíssimo Leitor, que essas iniciativas listadas são um sucesso público, sendo prestigiadas pela maioria povo paraibano! Não! Eu ainda as vejo como incipientes, com exceção do Podcast Nordestino, diante da potência cultural que elas carregam.

E o que fazer para tentar mudar este cenário? Fazer uso dos verbos: Ler, estudar, escrever, compor, declamar, produzir, assistir, cantar, comprar, consumir, curtir, compartilhar, propagar, prestigiar presencialmente ou virtualmente, ocupar espaços como este do Santa Rita em Foco, debater, conversar, lutar, protestar, não se contentar com a indiferença governamental e popular e entender de uma vez por todas que há pessoas que trabalham, dia e noite, para destruir a nossa cultura. E essas pessoas são, em sua maneira, bastante eficientes e parasitam nas várias instâncias do Poder! Então não podemos relaxar um só minuto nestas batalhas internas e externas, individuais e coletivas.

De minha parte, não se engane, elevadíssimo Leitor, eu já comecei a seguir os belos exemplos dos pernambucanos citados neste texto e também vários outros, nos demais estados deste fantástico país! E com isso não desejo ser uma cópia dos deles, mas ser um paraibano que é capaz de olhar para o que é bom e aprender para mudar o que é ruim em si, sem deixar de ser o que eu sou: Paraibano! E como tal, sigo lutando ao lado dos guerreiros, meus fortes conterrâneos, os que mencionei aqui e tantos outros que não mencionei. E pra finalizar afirmo: Eu tenho 37 anos, e espero, com as graças de Deus, viver mais uns 50 anos (no mínimo). Eu acho que isso é tempo suficiente para mudar o cenário da Paraíba. Pretensioso? Não! Sonhador! E, o elevadíssimo Leitor, pode ter certeza, há três coisas que tenho um imenso orgulho de ter na minha alma sonhadora: Gana de aprender, paciência para executar e uma disposição gigantesca para lutar pelo meu povo e pela nossa cultura.

Obrigado Marinho, Isabelly e Vinícius!

Igor Gregório
Igor Gregório
Nasceu na Parahyba. Escritor por vocação, já publicou vinte e um Folhetos de Cordéis, chegando a ser contemplado com premiações estaduais. Em 2023 publicou seu primeiro de livro de poemas: Alma-de-Gato no Voo da Alvorada. Além do trabalho impresso, tem uma produção ativa nas redes sociais, colunas e em saraus.