O Periódico Opinioso do Castelo da Curva do Rio
Trazendo pensamentos, lembranças, informações, entrevistas, comentários, o passado, o presente, o futuro e a narração de casos verídicos, em sua maioria fantasiados, escritos em prosa e verso pelo Segrel Paraibano Igor Gregório
Data: Vinte de fevereiro de dois mil e vinte quatro
Título: O Castelo da Curva do Rio
Hoje trago ao elevadíssimo Leitor um texto acerca da criação do meu castelo literário, o Castelo da Curva do Rio. Originalmente, este texto foi publicado no meu primeiro livro de poemas, o Alma-de-Gato no Voo da Alvorada (Editora União, 2023).
Todavia, ao trazê-lo para esta coluna eu acrescentei algumas imagens e informações que não havia no texto original. Primeiramente, porque evoluí em algumas percepções. Em segundo lugar porque aqui tenho mais espaço editorial para divagar.
Sendo assim, vamos ao texto:
Alguns poetas nordestinos, desprovidos de capas e de espadas, e influenciados por séculos de colonização europeia, guerreavam e elevavam a sua coragem nas pontas das línguas e das canetas. Cantadores Repentistas ou Poetas de Bancadas, os famigerados Cordelistas, esgrimiam, em duelos versificados, pondo em risco os seus castelos imaginários, seus marcos, que também podiam se traduzir em seus domínios físicos, no caso, as suas ribeiras de origem.
Nestas incontáveis pelejas imaginárias, ou reais, pelas estrofes discorriam sobre a grandeza de suas magníficas fortalezas e sobre os seus territórios mitológicos. No livro Cantadores e Poetas Populares (1929), de Francisco da Chagas Baptista, encontramos a maior e mais afamada peleja de todos os tempos entre Inácio da Catingueira e Romano do Teixeira e assim, podemos ter uma noção destes maravilhosos embates:
Romano: Inácio, eu inda em abalo
lá da Serra do Teixeira,
levo meu mano Veríssimo
vamos dar-te uma carreira,
dar-te uma surra em Martelo
e tomar-te a Catingueira!
Inácio: Meu branco, dou-lhe um conselho,
se vosmecê me atende:
Se for para nós brincarmos
pode ir que não me ofende,
mas pra tomar a Catingueira
não vá não que se arrepende.

No ano de 1906, no folheto Marco Brasileiro, Leandro Gomes de Barros nos apresenta a sua fortaleza assim:
Eu edifiquei um marco,
para ninguém derrubar
e se houver um teimoso
que venha experimentar
verá que nunca fiz coisa
para homem desmanchar.
Já no folheto Marco do Meio Mundo, de João Martins de Atayde, o poeta começa seus versos assim:
Vou contar uma história,
quem quiser preste atenção,
de um Marco que levantei
no centro do meu Sertão
sobre os desertos de um ermo
para dividir meu termo,
separar meu quarteirão!
Neste embalo o grande poeta José Adão Filho compõe a maior de todas as fortalezas já versificada, o Marco Parahybano (1921):
Afinei minha viola,
sentei-me nesta cadeira
com vontade de cantar
uma obra verdadeira
para divertir um pouco
minha gente brasileira!
Vou dizer primeiramente
uma coisa pouco vista:
Só sei cantar obra feita,
porque não sou repentista.
Sou poeta pensador
que pouca fama conquista!
A obra que vou cantar
não é aqui conhecida.
É trabalho original,
orgulho da minha vida.
Todo ele é dedicado
à minha terra querida.
Eu ainda era criança,
tendo pouco entendimento,
quando ouvi cantar um Marco
na festa de um casamento.
Fiquei muito admirado
com este acontecimento!
Desafiando, o nosso poeta paraibano, o pernambucano João Ferreira de Lima cria o Marco Pernambucano (1930), que começa com a belíssima estrofe:
A vinte e três de Setembro,
nos graus do meridiano,
quando o sol entrou em Libra
em conjunção com Urano,
eu desenhei os limites
do Marco Pernambucano!
Pois bem!
Eu, como uma criatura que vive com a mente mais no passado do que no presente, sempre fui encantado pelo medievo europeu e suas históricas fantásticas que narravam as aventuras de nobres cavaleiros e poderosas donzelas. Aqui vão alguns os primeiros assombros que tive em minha vida e que contribuíram, e contribuem, para este encantamento: Quando criança, assisti os filmes Coração Valente (1995), Robin Hood, O Príncipe dos Ladrões (1991) e O Nome da Rosa (1986), e já mais velho li os livros O Senhor dos Anéis de J.R.R. Tolkien, As Crônicas de Artur de Bernard Cornwell, O Nome da Rosa de Umberto Eco e o Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta de Ariano Suassuna.

Capa do Livro Romance d’A Pedra do Reino de Ariano Suassuna
No livro do Mestre Ariano a narração da história fica por conta da personagem Dom Pedro Dinis Ferreira Quaderna. Desprovido de coragem e de habilidades cavalarianas, Quaderna relata que edificará o seu Reino não na base da valentia, da força ou do sangue, mas na base da Literatura! Quaderna, que é um megalomaníaco essencial, quer, a partir da construção deste Reino Imaginário (ou real), se tornar o Gênio da Raça Brasileira e quiçá do mundo. Foi neste belíssimo e divertido livro que se formou a conexão com todo este sentimento já existente em minha alma, de deslumbramento pelas histórias fantásticas do medievo europeu, com a nossa poética nordestina. Pois, Ariano, através de Quaderna, nos apresenta em seu maravilhoso livro as várias influências que os Romances medievais portugueses, tanto em livros quanto em cantigas, tiveram na formação do nosso excelentíssimo Romanceiro Nordestino.
Dessa forma, eu, que também sou desprovido de valentias e de força, e um pouco megalomaníaco, resolvi imitar os nossos poetas, e Quaderna, e criar também o meu castelo literário e nele edificar toda a minha produção artística. Eu, que nasci na capital da Paraíba, fui levado, logo nos primeiros dias de vida, para casa de minha Avó materna. A casa está localizada numa cidade, de nome muito peculiar, chamada Bayeux. Lá passei toda a minha infância, observando a simplória cidade se avultando nas beiras do nosso Rio Paraíba! Juntando tudo isto que narrei até agora, mais o fato da casa de minha Avó se localizar à uma rua do citado rio, mesmo ali, na curva que o conduz até a sua foz, na cidade praiana de Cabedelo, nada mais justo que o meu castelo tenha o épico nome de: Castelo da Curva do Rio!

Bandeira do Castelo da Curva do Rio
E é assim que na forma da Primeira Torre Interna do meu castelo literário, a Torre-da-Natureza, que brota este livro: o Alma-de-Gato no Voo da Alvorada! Esta torre faz parte de um marco maior formado por torres internas, torres externas e vários outros cômodos castelares. E afirmo: todo este castelo está sendo, e será, edificado com as Pedras da Verdade e adornado com a Beleza dos versos, prosas, romances, folhetos, histórias fantásticas, canções e gravuras!
Nesta primeira torre proponho, ao elevadíssimo Leitor, alçar voo junto ao pássaro que escolhi para representar a minha poesia, o Alma-de-Gato. Juntos sobrevoaremos o que eu julguei de melhor em minha verve. Nesta torre está o aprendizado de anos de estudos e inspirações; nela estão as marcas de uma vida, dos sorrisos às lágrimas; nesta torre está o início do meu Castelo Literário, erguido, magnifica e magistralmente, no solo imortal da Paraíba!

Dessa maneira, conclui o texto de apresentação do meu livro. Mas como disse, o pensamento evolui, muda de formas e constantemente no mundo do Sonho. E foi sonhando que decidi o local físico do meu Castelo, caso ele venha a existir.
Meu amigo e poeta Siéllysson Francisco sempre bate nessa tecla comigo: “Vou visitar seu castelo, quando você construir”! E foi também por indicação deste meu querido amigo que li o livro de Elias Herckmans, Descrição geral da Capitania da Paraíba, datado de 1639. No livro, o holandês descreve detalhadamente sua passagem pelo nosso chão. Após a leitura decidi que se um dia eu vier a construir fisicamente o meu castelo será ele erguido nas terras santa-ritenses.
A riqueza histórica da cidade de Santa Rita, devida a sua profícua malha fluvial, é o chão perfeito para que um castelo seja erguido. Assim, em umas das incontáveis curvas que o Rio Paraíba faz, meu castelo estará intimamente ligado ao berço que formou a Paraíba como conhecemos e amamos hoje.
Tudo isso, logicamente, está no campo do sonhar, mas é sonhando que se constrói. Foi a partir de um sonho que criei o meu primeiro livro apresentado aqui. Por isso afirmo: do meu castelo poderei contemplar uma terra em que Tapuias e Potiguares andavam sentindo a brisa dos rios e o barro negro e úmido da terra. Dele irei observar as belas construções barrocas edificadas com as bênçãos da igreja e o dinheiro dos engenhos. Dele irei contemplar as rareadas águas do Rio Paraíba correndo para o mar, águas essas que tanto acalentaram os pretos, e acalentam os seus descendentes, que, forçados, aportaram nesta terra. No meu Castelo serei Rei, mas não terei súditos, pelo contrário, dou a minha palavra que serei um vassalo incondicional da poesia!
Pelas margens que vertem bem querer
e na folha infinita do amor,
eu descrevo meu canto de louvor
com a pena serena do prazer.
Pelas águas que tecem o meu ser
eu me banho buscando meu brincar.
E na fonte, que verte sem parar,
minha lira encontra seus cristais!
Pelas linhas de versos surreais
meu Castelo eu hei de edificar!
Nunca soube direito aonde ir,
nem ao menos sabia amanhecer.
Pelas noites vaguei até morrer
para em verso, além, eu ressurgir.
Aprendendo, buscando convergir,
acordei desmedido e sem ar.
Arquejando busquei o meu pensar
para assim respirar meus ideais!
Pelas linhas de versos surreais
meu Castelo eu hei de edificar!
Encontrado, provei todo sabor
que procela na boca a sorrir.
Pois contente eu tive meu florir
nos jardins coloridos do compor.
E compus mil poemas em louvor
à riqueza que há em nosso lar.
Foram linhas verdosas a cantar
matagais, manguezais, canaviais!
Pelas linhas de versos surreais
meu Castelo eu hei de edificar!
Finalmente, se erguem sem temer,
sete torres repletas de primor.
São ungidas nas mãos de um senhor
que, no verso, ensinou como viver!
Sete vãos já acolhem sem tolher
mil palavras que botam pra lascar.
E com sete mais sete, meu sangrar,
reafirma desejos imortais:
Pelas linhas de versos surreais
meu Castelo eu hei de edificar!