InícioColunaEx-excritor: Ou a volta dos que não foram

Ex-excritor: Ou a volta dos que não foram

Serei sincero! Nunca entendi bem o regozijo que alguns colegas das letras têm em se intitularem de escritores. Autodenominam-se poetas e romancistas com um júbilo que sempre me pareceu estranho. Não, não quero dizer que a nobre arte não seja motivo de orgulho e que seus cultores não possam se chamar pelo que são. Acontece que, por razão que desconheço, nunca fui tocado por tal brio. Pelo contrário. Ao ouvir um vocativo do tipo ser dirigido a mim, é um certo assombro que me toma, como se me chamassem de Fábio ou Carlos com a certeza de este ser meu nome e, de repente, descortinassem um eu que eu mesmo ignoro. Por vezes, essa situação me resulta, ainda, algum rubor, afinal, descobriram e tratam com tanta naturalidade esse segredo que tento esconder.

A questão que fica é: sou escritor?

Alguns falam “sim”, outros exclamam “é claro”. Eu digo “não sei”. É verdade, tenho certas coisas publicadas,  algo na imprensa, outro algo em livro, além de um terceiro algo na gaveta (este importa?). Mas não sei. Escrever me é muito natural, publicar mais ou menos, assumir essa denominação nem tanto.

Após tomar um caldo da maré da vida, engolido por ondas que esperava e não esperava, tive que me ausentar dos periódicos. Dessa forma, não estava mais a aparecer para os outros como autor cotidianamente e no presente. Isso me permitiu uma saída, uma escapada trocista. Quando lançavam a pavorosa pergunta – “você é escritor?” –, eu dizia: Não! Talvez, tenha sido. Hoje, sou apenas um excritor.

Mas é possível ser um ex-escritor?

Disse que seria sincero. Pois, serei. Ao menos uma vez é preciso ser, mesmo quando se é cronista. Jamais abandonei a vida literária, não teria como. Aqui e ali, escrevia um versinho, compunha um poema e guardava. Lá, deixava ele, para – quem sabe um dia – tomar o rumo de um livro ou do lixo. A poesia sempre me acompanhava e dela não fujo; se tentasse, ela é quem mais sabe onde me encontrar.

Mas a crônica – esse humilde e cativante gênero – seguia me faltando. E eu faltando ao seu encontro marcado. Perseguia-me e, vez por outra, eu a perseguia. Mas os dois amantes nunca se encontravam. Foi preciso dar uma pausa no que faz o cronista ser cronista em tempo integral, a coluna. A contragosto e um tanto forçado, aceitei. Entretanto, se, no meu peito, o ser cronista seguia palpitando, carecia-me o exercício diário a me dar mostras dessa natureza. E, com isso, vinha a dor, dor de um filho arredado de sua mãe.

Dor que, no fundo, dava-me o alento de crer que, mesmo em inatividade, eu seguia cronista. Possivelmente porque, mais do que um exercício, isso diga respeito a um modo de ser e a uma condição, uma condição crônica, sem volta e sem alternativa. Não se escolhe ser nem se decide quando será, apenas é.

Porém, ainda não estava completo. O viver diário da produção de crônicas, a atitude constante de caçar a próxima, o sentar à frente do computador e encarar o branco na tela… Tudo isso me faltava. Era preciso dar um basta, aprumar as velas e tocar o barco como deveria ser tocado, seguindo o caminho que meu coração já indicava e que, há muito, eu ansiava.

Dessa maneira, é chegada a hora do regresso. Hora de retornar à crônica, retornando, talvez, a mim mesmo. Hora de voltar a olhar no espelho e ver refletido um cronista integral. Escrevo essa crônica como um anúncio e com esperança, a esperança de me reencontrar em minha cronicidade. E, assim, volto.

Lucas Arroxelas
Lucas Arroxelas
Lucas Arroxelas é cronista, poeta e historiador. Pessoense, hoje, divide-se entre a Paraíba e Pernambuco. Autor dos livros "De tudo, nada" (Poesia, Ideia, 2021) e "Quadro Crônico" (Crônicas, Penalux, 2023), além de textos de diversos tipos em coletâneas e periódicos. É também doutorando em História pela UFPE, realizando pesquisas sobre o período colonial e tendo publicado alguns trabalhos na área.