A tradição oral há séculos é narrada por vozes que exprimem respeito e sabedoria, sendo a principal forma de transmissão de muitas culturas, exercendo o papel de guardiã de suas histórias e memórias. Os mais velhos, geralmente, eram os responsáveis por compartilhar com os mais novos os saberes, as glórias e as histórias de seu povo. Quando se fala sobre a oralidade com base na própria vivência, naquilo que aprendemos ouvindo as pessoas contarem, gosto de destacar o que sempre instigou meu imaginário, que ainda me causa curiosidade e me remete a uma fase especial da vida, a infância. Com o avanço da tecnologia e a facilidade gradual de poder ter em mãos um aparelho conectado à internet, possibilitando de diversas maneiras a interação, oferecendo milhares de aplicativos para o entretenimento, as novas gerações não vão saber o sentimento deste momento ao qual me refiro. Eu falo sobre as noites em que após a janta, parte da vizinhança se sentava em suas calçadas para jogar conversa fora. Se falava sobre as notícias do telejornal, sobre os afazeres do dia e das novidades da novela, tudo isso enquanto a criançada da rua corria solta da esquina de baixo à esquina de cima. Quando a pirralhada não estava brincando de esconde-esconde, amarelinha, baleado, futebol, pula corda, queimada ou seu rei mandou, estava deixando de lado a barulheira e a inquietação para fazer parte de um momento ímpar da noite, a hora da contação de histórias, a hora das lendas.
Sentávamos na calçada e nos concentrávamos em cada palavra que era dita sobre alguma história que só os mais velhos conseguiam relatar, só eles sabiam os detalhes, só eles sabiam narrar o acontecido com palavras que iriam permanecer em nossas mentes não só por aquela noite mas por muito tempo. Eram lendas sobre a mão cabeluda, ‘cumade’ florzinha, botijas e assombrações. Quando chegava o momento de ir para casa, íamos com a mente nutrida por um imaginário popular que também era o responsável pelos pesadelos noturnos mas que não deixava de ser interessante. Infelizmente, aos poucos, tem se perdido o costume de sentar para contar e ouvir histórias, assim como tem se perdido as brincadeiras tradicionais infantis. Lembro que gostávamos tanto de ouvir aquelas lendas que vez ou outra nos direcionávamos a calçada de Dona Antônia, para pedir a sua filha, Pretinha, contar novamente aquelas histórias que atiçavam a nossa curiosidade e imaginação. Ainda consigo resgatar na memória a imagem que criei de uma dessas lendas, que tinha como cenário a rua que morei.
Em várias comunidades de Santa Rita é possível ouvir histórias ou estórias que mesclam fatos reais com ideias fantasiosas, daí vem o conceito de lenda, e alguns moradores podem jurar que realmente aconteceram. E sinceramente, eu não gosto de duvidar, gosto de me encantar. As melhores e mais interessantes histórias podem ser ouvidas através dos moradores mais antigos das comunidades, ou por aqueles que conforme a atenção, curiosidade e repetição aprenderam a contar com o mesmo brilho e fascínio, são eles os guardiões das histórias que não foram escritas, e que só podem ser conhecidas por quem faz uma pausa para ouvir. E dentro das narrativas contadas pelos moradores, há naturalmente o resgate da memória dos que vieram antes deles. Falar sobre qualquer aspecto da história que pode surgir, é lembrar de alguém que a contava antes, de que maneira contava e qual a lembrança gerada, podendo ser a imagem de um tio, de uma avó/avô, de um vizinho/a que se faz presente quando a narrativa é compartilhada.
Na comunidade localizada na Usina São João, é possível ouvir de alguns moradores uma das lendas mais populares que existem, a da botija. De modo geral, essa lenda gira em torno de um tesouro, um pote com moedas de ouro e/ou joias, que foi escondido. Na referida comunidade, tendo como referência os mais velhos, pode-se ouvir sobre a existência de uma botija que estaria enterrada na “igreja velha”, como popularmente é conhecida uma antiga igreja que se encontra em ruínas, a qual é atribuída a visita do Imperador Dom Pedro II, em sua passagem pela Paraíba no século XIX. E visto que, para toda lenda que se mantém através da oralidade, há novos aspectos depositados, na narrativa presente na Usina São João, quem protege a botija todas as noites é um bode. No horário da meia noite, do lado oposto ao da igreja, ele surge entre as canas de açúcar, e seguindo pelo caminho dos trilhos com olhos que saltam fogo, encontra seu trajeto até chegar à igreja onde cumpre sua missão. Dizem que o bode é uma transfiguração de um antigo senhor de engenho, e aqui cabem várias interpretações e reflexões. Esta é uma das estórias que por muitas vezes foi contada, que fez parte da infância de muita criança, hoje se encontram adultos, e lembram com saudades da época em que uma calçada e uma contação de histórias tornava a noite mais preciosa.