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Lunar Axe: Um Jogo Brasileiro

O Periódico Opinioso do Castelo da Curva do Rio

Trazendo pensamentos, lembranças, informações, entrevistas, comentários, o passado, o presente, o futuro e a narração de casos verídicos, em sua maioria fantasiados, escritos em prosa e verso pelo Segrel Paraibano, Igor Gregório.

Data: Vinte e seis de maio de dois mil e vinte cinco

Título: Lunar Axe: Um Jogo Brasileiro

Recentemente assisti uma matéria na televisão que narrava a jornada de três jovens maranhenses, desenvolvedores de games, através da criação de um jogo de aventura que tinha como cenário a capital de seu estado. Ao me deparar com o relato dessa corajosa empreitada, fiquei bastante emocionado.

Não irei narrar aqui todo esse caminho criativo, pois a matéria do G1 já é bastante elucidativa (LINK PARA MATÉRIA). Quero mesmo é glorificar a iniciativa dos três jovens: Kassio Sousa, Nuninho Neto e Artur Pinheiro. Quero glorificar e discorrer sobre o olhar sensível e amoroso desses jovens desenvolvedores de games que, deixando de lado o lugar comum, resolveram olhar para o nosso país, o nosso Nordeste, a sua terra e produzir algo verdadeiramente original e não mais um arremedo estrangeiro.

Sempre que glorificamos o que é da nossa terra, incorremos no risco de sermos confundidos com a patriotada reacionária que tomou conta do Brasil nas conturbadas décadas do século XX e começo do XXI e que, sequestrando os nossos símbolos nacionais, tentam implantar no Brasil uma política e uma estética nacional-viralatista que nada tem de Brasil, nada tem do Brasil Real. Mas aquém destes julgamentos e destas comparações preguiçosas, há de se valorizar o que é nosso, não pelo simples fato de ser nosso, mas por, verdadeiramente, representar a nossa alma brasileira.

Eu não sou um gamer, e estou longe de ter um conhecimento profundo deste universo que, há anos, em termos financeiros, tornou-se a maior indústria de entretenimento do mundo, ultrapassando até o cinema. Porém, quando criança, passei muitas tardes gastando minhas míseras moedinhas em playtimes que tinham jogos como Street Fight, Captain Commando, Mortal Kombat e The King of Fighters. Nestas mesmas tardes, eu também adentrava num portal de felicidade, que todos os garotos do bairro conheciam, chamado o “Videogame de Seu Silva” (o nome do pequeno empreendimento remete ao nome de seu próprio dono, um senhor bigodudo muito simpático), e lá eu me sentava em uma das cadeiras, escolhia a minha fita de Nitendo, entre tantas penduradas nas paredes, e jogava por horas esquecendo que havia um mundo lá fora. Aladim, Mario Kart, Prince of Persia, Top Gear eram os meus favoritos. No entanto, para mim, os games não passavam de mais uma, entre tantas diversões da infância, que, confesso, quando me tornei adulto, abandonei. Não por me tornar adulto ou por demérito dos games, mas porque o foco de meu interesse foi em outras direções.

Todavia, focando em quem importa: Eu acredito que os jogos citados acima e vários outros jogos também permearam a infância e juventude destes três jovens maranhenses. E o que todos esses jogos têm em comum é que nenhum deles possui qualquer conexão com as realidades sociais e culturais que estes jovens desenvolvedores conviveram e convivem. As realidades apresentadas nestes jogos, quando não pasteurizadas, eram sempre narrativas que fazia alusão a culturas estrangeiras e que só geravam e geram, além do um sentimento lúdico de nostalgia, uma conexão momentânea e pouco formadora.

Pelo que puder constatar, pela matéria do G1 e pelo trailer acima, o jogo desenvolvido, Lunar Axe, apresenta uma estética visual belíssima que conversa diretamente com a arquitetura e a cultura da cidade de São Luís do Maranhão. Conversa com todo clima de mistério que seus casarões, esquinas e vielas geram em seus habitantes e turistas. E foi como um turista, há anos, que andei bastante pelas sombras da noite e o brilho das estrelas que moldam as ruas do centro histórico, boêmio e enigmático, da capital maranhense. Então, meu elevadíssimo Leitor, qualquer menino ou menina maranhense que jogar este jogo se identificará prontamente, pois ele não somente vai jogá-lo e sim vivenciá-lo, gerando assim um pertencimento e uma experiência formadora que o diferenciará dos demais jogos.

Nos dias de hoje, graças ao bom Deus, percebo uma mudança em curso. A cultura massificada, que tanto nos foi empurrada goela abaixo, não nos basta mais. Precisamos de identidade, precisamos que nossa voz seja ouvida, precisamos que nossas histórias sejam contadas, e não pelo simples fato de serem nossas, mas porque não são menores do que qualquer outra contada em outros países. Vejo brilhar no cinema filmes tão nossos, como o premiado Ainda Estou Aqui de Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres e Selton Mello. Nos streamings vejo iniciativas como Cangaço Novo do Amazon Prime e tantas outras. Nas HQ’s, artistas, como meu conterrâneo Shiko, nos enchem de orgulho com suas obras que retratam o Brasil profundo. E nos games, que possuem uma potência narrativa enorme, não podia ser diferente.

Com ajuda do meu amigo Ruan, grande conhecedor de games, e do qual eu infernizo a vida para que ele escreva aqui no “Santa Rita em Foco” sobre este tema e muitos outros, eu tomei ciência de que a iniciativa dos três maranhenses não é a primeira neste sentido. Outros jogos já foram desenvolvidos utilizando o Brasil e a sua cultura como uma espécie de protagonista oculto. Jogos como A Lenda do Cabeça de Cuia desenvolvido pelo Submersivo Game Studio e apresentado como um Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) de artes visuais da Universidade Federal do Piauí; Dandara desenvolvido pelo estúdio Long Hat House e publicado pela Raw Fury; Asleep, um jogo ambientado no Nordeste dos anos 90, desenvolvido no estúdio piauiense Black Hole Games. Todavia, apesar de louváveis, estas iniciativas são incipientes diante de um cenário gigantesco! Ainda há um espaço imenso na indústria dos games que precisa ser ocupado por brasileiros que, com o incentivo e apoio correto, podem brilhar e fazer de nosso país uma fonte de originalidade para essa indústria mundial que, em essência, procura contar com o senso comum.

Já citei em outro texto aqui no “Santa Rita em Foco”, o prefácio do livro Cantos Populares Volume I (1883), de Sílvio Romero, no qual o escritor português Teófilo Braga afirma:

“O Brasil, cuja poesia tanto desvairou pela imitação do subjetivismo byroniano, e cuja Literatura nascente se amesquinhou, seguindo, por longo tempo, o nosso atrasado romantismo europeu, só poderá achar o seu caráter original conhecendo e compreendendo o elemento étnico das suas tradições populares”.

Este trecho, que foca na literatura, pode ser muito bem aplicado em todos os escopos da arte produzidos neste país. Não conheço as influências que levaram estes três jovens maranhenses a olhar para sua cultura, buscar as ferramentas comuns e produzir um jogo que bebe do frutífero manancial cultural que jorra da alma do povo brasileiro. O que sei é que, ao fazer isso, ele encontra o “caráter original” e mostra para o mundo, e o mais importante, para os seus conterrâneos, como é abundante a arte do Brasil.

Parabéns, Kassio Sousa, Nuninho Neto e Artur Pinheiro, e que jogos como Lunar Axe sejam uma rotina no pensamento criativo de vocês, pois o que não falta em nosso país é beleza para se inspirar!

Conheça mais do jogo no site oficial: https://lunaraxe.com/pt.php

Revisão textual: Cyelle Carmem

Igor Gregório
Igor Gregório
Nasceu na Parahyba. Escritor por vocação, já publicou vinte e um Folhetos de Cordéis, chegando a ser contemplado com premiações estaduais. Em 2023 publicou seu primeiro de livro de poemas: Alma-de-Gato no Voo da Alvorada. Além do trabalho impresso, tem uma produção ativa nas redes sociais, colunas e em saraus.

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