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O Nome e a Coisa

Recentemente, cá nas terras potiguara e tabajara, ganhou força uma velha discussão, a do nome da capital. João Pessoa ou Paraíba, that is the question. Tal debate jamais assumiu uma abrangência popular, mas também jamais deixou de estar na boca de alguns gatos pingados. Acontece que, agora, os gatos pingados são mais numerosos e a proposta de mudança alcançou maior concretude. Sem ter sido chamado para dar meu parecer, mas como bom opinólogo de inutilidades e amante de polêmicas, decidi me meter nessa.

Um primeiro argumento usado pelos partidários da substituição é o da beleza. Alegam que “Paraíba” é muito mais bonito que “JoãoPessoa”. Embora seja uma questão bastante subjetiva, acho difícil alguém tomar a posição inversa; afinal, nunca ouvi um turista falar: “Que belo nome!”. Por vezes, o que expressam é dúvida, “quem foi esse?”, deixando patente que desconhecem o defunto-mor do nosso estado.

Na esteira dessa defesa estética, falam ainda em uma poeticidade do primeiro termo. Aí os supostos ideais estéticos entram pelo cano. Por este, há muito tempo, já haviam descido as concepções que afirmam existir valor poético apenas em determinadas palavras.

“Paraíba, vocábulo filiado às nossas tradições”, enchem os papos alguns. De fato, do período em que existiu um aglomerado urbano nessa área, a maior parte foi sob aquele nome. Todavia, nesse enaltecimento, há também algo de ilusório, que reside no fascínio por uma suposta origem mitológica onde residem as raízes de um povo. Devaneios que se vestem sob a couraça de uma opinião supostamente intelectualizada, mas que estancou em paradigmas do século XIX.

Essa idealização ignora, aliás, que o passado é também feito de rupturas. Da mesma maneira que ignora o fato de as tradições serem inventadas e reinventadas, sendo, a todo momento, criadas as novas e relidas as antigas. Deixam de lado, afinal, que tradição também se relaciona com costume e que, há algumas gerações, já é vezo nos referirmos à Porta do Sol como João Pessoa e aos seus nativos como pessoenses. Esse hábito é muito mais forte e sólido nos atuais moradores dessa cidade do que o quimérico passado imemorial.

Com isso, chegamos em outro problema. “Paraíba”, mas com qual grafia? Nas mentes que procuram a Eva e o Adão paraibanos, defende-se fielmente o “hy”. “É como nosso município sempre foi cunhado e assim deve ser”. Certamente, esses sujeitos não se deram ao trabalho de mergulhar na documentação da época colonial. Longe de ser a primeva forma de registro, ela é muito mais recente do que se imagina. Nas fontes dos séculos XVI e XVII (e, em larga medida, até do XVIII), o “hi” era a praxe, sendo muito ocasional encontrarmos o “hy” que agrada tanto alguns contemporâneos.

A origem indígena de “Paraíba” é levantada como um fator favorável à modificação. Assim, como porta vozes dos que não foram ouvidos, “homens brancos” defendem a alteração como uma bandeira favorável aos povos originários. Utilizar tal nome é remeter ao tupi, com certeza. Mas “Paraíba” não é só uma palavra vazia, ela remete a um período histórico. Vincula-se, especialmente, ao nosso passado colonial, construído em cima do sangue de inúmeros indígenas, é isso que se rememora e homenageia.

“Um arroubo”. Assino embaixo. A homenagem ao ex-mandatário do estado veio de supetão, sem discussão pública e reflexão sobre a questão. Originou-se da situação e para servir a interesses nesse mesmo contexto que o engendrou. Era, naqueles anos, João Pessoa um representante da elite; contra isso, protestam os facciosos da paraibanidade. No entanto, o sobrinho da avenida tinha outros oligarcas como seus principais inimigos. Estes nunca aceitaram de bom grado o novo batismo da urbe. Apontar que a defesa de um nome se liga a frações da elite é correto, mas precisamos completar essa verdade.

Chegando ao fim dessas linhas, o leitor deve estar a se perguntar: “mas o que esse homem defende? João Pessoa? Paraíba? Um terceiro?” Não vim aqui para isso, mas apenas para provocar. Cutuquei a onça e saí correndo, o resto é com vocês.