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Quadro Oral do Centro

– Chip da Oi, Chip da Oi, Chip da Oi

– 3 por 10, é 3 por 10

– Ótica, senhor?

– Chip da Oi, Chip da Oi, Chip da Oi

– Película de vidro, 5 reais

– Película de vi… Chip da Oi, Chip da Oi, Chip da Oi

– Não solta minha mão, menino

– Foto 3×4, sai na hora

– Posso orar por você?

– Chip da Oi, Chip da Oi

– Self-service 10 reais, com dois pedaços de carne

– Carregador portátil, pen drive… Chip da Oi, Chip da Oi

– Película de vidro

– Chip da Oi, Chip da Oi, Chip da Oi

Havia tido uma ideia interessante, ou, melhor, – como poderia dizer Mário de Andrade – interessantíssima. Entretanto, simples: escrever uma crônica (ou o que lá tenha sido esse texto) que apresentasse um retrato do centro de João Pessoa; uma imagem, talvez, familiar a outras tantas cidades. Todavia, ela seria composta apenas por falas comuns àquele local, pela povoação sonora dele. Assim, qualquer ouvido, mesmo desatento, conseguiria as reconhecer, formando um quadro do Centro; porém, um quadro oral.

Procedimento estético e representação da vida urbana. Fabuloso, fabulosíssimo!

A fim de um desenvolvimento mais efetivo dessa empreitada, nada melhor do que ir àquelas bandas, não tão distantes das minhas. Observar in loco a vida da região, consultar as pessoas, ouvir pacientemente e anotar tudo. Em seguida, enfim, escrever meia dúzia de linhas. Esse seria o caminho. Não obstante, como que caminhando pelas calçadas do Centro, tropecei, mas, desta vez, em um empecilho. Triste, tristíssimo.

Retrataria a ida e vinda de pessoas, o alarido e o empurra-empurra. Entretanto, o comércio, que fazia do Centro o que ele era, foi-se embora nos últimos tempos, levando consigo todo aquele movimento. Lojas fechadas, pouca circulação e ruas calmas. Nos estabelecimentos que ficaram, três gatos pingados se fazem presentes, dos quais, dois foram só aproveitar o ar-condicionado. Soube que até estacionar o carro está sendo possível. Que absurdo, que desnaturalização! Se fosse produzir um retrato oral desse cenário, teríamos apenas um texto em branco sobre a folha, algo digno de Malevich.

E que tal uma representação noturna, a famosa noite do Centro Histórico, o CH? Seria fantástico. De fato, seria; mas estou sem grana para comprar um celular novo e acho difícil voltar de lá com o meu. Pelo jeito que as coisas andam, creio que nem minha caneta ficaria. Talvez conseguisse manter o bloquinho de anotações, se eu explicasse bem que se tratava de crônica, fazendo o nobre assaltante constatar ser impossível ganhar dinheiro com isso.

Resta-me, porém, uma alternativa, construir essa imagem recorrendo à memória e retornando ao período anterior à pandemia, quando aquele centro ainda era o Centro que me habituei a percorrer. As tintas que compõem este quadro, possivelmente, tornam-no um pouco anacrônico (sem problemas), como podemos notar pelos preços, que nos enchem de saudade dos almoços sem balança por dez reais. Anacrônicos, anacroniquíssimos!

Entrego, pois, cá, este quadro oral do Centro antes da pandemia.